Desempenho articulatório nas crianças em idade escolar
O presente estudo é um estudo do tipo descritivo-comparativo de caráter transversal e quantitativo, uma vez que se pretende caraterizar os erros articulatórios que ocorrem num grupo de crianças em idade escolar de diferentes faixas etárias.
De acordo com o tema, os objetivos foram a caraterização do desempenho articulatório de crianças em idade escolar, em tarefa de nomeação de imagens por faixa etária e por sexo, tendo em conta: número de consoantes corretas; quais os sons consonânticos alterados; tipos de sons (oclusivas, fricativas, líquidas) tendo em conta a faixa etária; tipo e frequência de erros por sujeito; estímulos com maior frequência de erro.
A amostra é constituída por 265 crianças (138 do sexo masculino e 127 do sexo feminino), com idades compreendidas entre os seis anos e os nove anos e onze meses de idade, a frequentar o 1º ciclo do ensino público, em dois agrupamentos da região da grande Lisboa.
A articulação verbal é um processo de produção e uso dos sons da fala, efetuado através das estruturas do trato vocal (componente motora), utilizada pelos indivíduos de determinada comunidade linguística, para a comunicação oral (componente linguística). É o principal veículo para transmitir significados, pensamentos, ideias, conceitos e atitudes através de sons, palavras, expressões e frases, utilizando apenas a componente linguística.
A articulação verbal engloba duas grandes áreas, nomeadamente a fonética que está mais relacionada com os aspetos motores e físicos da produção dos fonemas, e a fonologia que diz respeito à componente linguística. Fala-se de performance se o problema for fonético e de competência se o problema for fonológico.
A perturbação da articulação verbal é uma das perturbações de comunicação mais comuns nas crianças, podendo ter um impacto negativo na vida social e académica destas. Provoca a diminuição da inteligibilidade do discurso e consequentemente, uma comunicação menos efetiva
A aquisição fonética na infância tem uma idade crítica que termina, aproximadamente, entre os quatro e os cinco anos de idade. Até então, a criança deve ter a habilidade de articular todos os sons da língua, ainda que não sejam usados corretamente na palavra Aos cinco anos, já deve existir uma boa articulação dos sons e a aquisição estar praticamente completa, no entanto, algumas crianças nesta idade ainda não têm a capacidade para articular corretamente alguns sons e palavras da sua língua materna. Quando essa alteração ocorre, é considerado que existe um desvio ou perturbação na fala, fazendo com que haja uma alteração do desempenho articulatório.
As alterações da articulação verbal, ocorrem devido a erros na produção dos sons, tais como: omissão, substituição, distorção (os três mais comuns), entre outros.
A omissão ocorre quando a criança não produz o (s) fonema (s) esperados nas palavras-alvo e é um erro muito frequente em crianças até à idade escolar.
A substituição ocorre quando um fonema na palavra-alvo é trocado por outro existente na língua. É o «erro» mais frequente em crianças em idade pré-escolar porque está relacionado com o desenvolvimento fonológico. As crianças utilizam processos de simplificação, de forma a lidarem com a imaturidade articulatória e, se naturalmente a sua frequência de ocorrência a tende a diminuir com a idade.
A distorção consiste na produção das caraterísticas de base do som, de forma aproximada, mas incorreta em relação ao considerado normal com consequências acústicas/visuais. Alguns autores consideram que as distorções podem surgir face a: (1) imaturidade articulatória em que o desempenho é caraterístico de crianças com idades mais novas, mas aceite para a faixa etária em que se encontra; (2) compensação articulatória por falha no «percurso» normal de aprendizagem e/ou associado a alterações e/ou anomalias orofaciais.
Resultados
A apresentação e análise das crianças com alterações do desempenho articulatório tornou-se importante, para se perceber dentro da amostra quantas crianças apresentam alterações ao nível da fala.
Para este aspeto foram utilizados 3 critérios: (1) o critério do Teste de Articulação Verbal (TAV) de Guimarães et al. (2014), para crianças até à faixa etária dos 5;11 anos, em que crianças que apresentassem um resultado que seja menor ou igual a 85 no TAV serão consideradas com alterações de fala; (2) crianças que apresentam um valor igual ou superior a 86 e inferior a 89 consoantes corretas, e (3) todas as consoantes corretas (89), uma vez que na faixa etária da amostra todo o inventário fonético-fonológico está ou pelo menos deveria estar, completamente adquirido.
De acordo com o critério do TAV, observa-se que existem 65 crianças com alterações da articulação verbal, 20 eram do sexo feminino e 45 do sexo masculino. Assim, e de acordo com os resultados referidos, o sexo masculino apresenta mais alterações no desempenho articulatório do que o sexo feminino.
Após a análise estatística e tendo em conta a faixa etária e o desempenho articulatório, a faixa etária na qual se verificaram mais alterações foi a dos 7;00 aos 7;11 anos, que é a que continha um maior número de sujeitos, com um total de 36 crianças a obterem um valor igual ou inferior a 85 consoantes corretas.
De acordo com o segundo critério, observa-se que 51 crianças (20 do sexo masculino e 31 do sexo feminino) acertaram um valor igual ou superior a 86 consoantes corretas e abaixo de 89, tendo sido a faixa etária dos 7;00 aos 7;11 anos que apresenta mais crianças com acertos dentro do intervalo de valores estabelecido.
Relativamente às 149 crianças com desempenho articulatório sem alterações, ou seja, todas as que acertaram corretamente nas 89 consoantes, 76 eram do sexo feminino e 73 do sexo masculino.
Caraterizar o desempenho articulatório de crianças em idade escolar, em tarefa de nomeação de imagens por faixa etária e por sexo:
a) número de consoantes corretas
De acordo com o número total de consoantes corretas, em que o máximo possível era de 89 consoantes corretas, 149 (73 do sexo masculino e 76 do sexo feminino) das 265 crianças da amostra acertaram corretamente no número máximo possível, embora o valor mais baixo de consoantes corretas tenha sido de 51 consoantes.
Quanto ao número máximo e mínimo correto de consoantes corretas por faixa etária e sexo, verifica-se que do número máximo possível de consoantes corretas (n=89), a faixa etária em que há um maior número de crianças com este valor é a faixa dos 7;00 aos 7;11 anos, com um total de 151 crianças (78 do sexo masculino e 73 do sexo feminino) em que o sexo masculino apresenta maior número de acertos do que o sexo feminino.
No que diz respeito ao menor número de consoantes corretas (n=51), este valor encontra-se na faixa etária dos 9;00 aos 9;11 anos, em apenas um elemento, pertencente ao sexo masculino.
Relativamente aos sexos, os resultados foram equilibrados, uma vez que o sexo masculino teve valores mais elevados em duas faixas etárias, enquanto o sexo feminino obteve valores mais elevados, nas duas outras faixas etárias, perfazendo o total das quatro faixas etárias apresentadas.
b) quais os sons consonânticos alterados
Quanto aos sons alterados as consonantes que apresentam mais alterações são as líquidas e as fricativas.
Das consoantes líquidas, o som /l/ é o som que foi produzido mais vezes de forma alterada, num total de 61 crianças (42 do sexo masculino e 19 do sexo feminino). Além do /l/, também o som /r/ isolado ou em grupo consonântico apresenta um numero elevado de produção alterada, uma vez que em grupo consonântico, 59 crianças (34 do sexo masculino e 25 do sexo feminino) produziram de forma alterada, e em posição medial ou final, 25 crianças (18 do sexo masculino e 7 do sexo feminino).
Quanto às consoantes fricativas a que apresenta mais alterações é a fricativa /j/ com 30 crianças (19 do sexo masculino e 11 do sexo feminino) a apresentarem alterações, seguindo-se o som /ch/ com 25 crianças (13 do sexo masculino e 12 do sexo feminino) e por último, o som /s/ com 22 crianças (11 do sexo masculino e 11 do sexo feminino).
A faixa etária dos 7;00 aos 7;11 anos é que apresenta um número maior de sons alterados (180 crianças – 130 do sexo masculino e 50 do sexo feminino).
Em suma, o sexo masculino é o que apresenta maior número de sons alterados, exceto na faixa etária dos 6;00 aos 6;11 anos, em que é o sexo feminino que apresenta um número superior de sons alterados.
c) tipos de sons (oclusivas, fricativas, líquidas) tendo em conta a faixa etária
Nas consoantes oclusivas é mais frequente a existência de erros nas oclusivas, mais concretamente nas consoantes /d/ e /g/, e estes erros ocorrem com maior frequência na faixa etária dos 7;00 aos 7;11 anos. Assim, e tendo em conta o que foi referido acerca das consoantes oclusivas, o número de erros neste tipo de consonantes foi baixo, embora nas faixas etárias em estudo já não seja suposto existir erros nessa produção deste tipo de consoantes.
Relativamente às consoantes fricativas, em posição inicial as consoantes /s/ (n=24) e /ch/ (n=14) foram as que apresentaram maior numero de erros, sendo a faixa etária dos 7;00 aos 7;11 anos a que apresenta maior número de erros.
No que respeita às consoantes líquidas, em posição inicial a consoante /l/ obteve um valor bastante elevado de erros (n=34), e este erro ocorrer com maior frequência na faixa etária dos 7;00 aos 7;11 (n=25).
d) tipo e frequência de erros por sujeito
No que diz respeito ao tipo e frequência de erros, foi necessária criação de mais 4 variáveis, uma vez que além dos erros (omissão, substituição, distorção e outros), alguns sujeitos empregava mais do que um tipo de erro – Omissão e Substituição; Substituição e Distorção; Omissão e Distorção; Omissão, Substituição e Distorção – ou seja, estabeleceram-se quatro grupos de erro.
O erro que ocorre com maior frequência é a substituição, tanto no sexo masculino como no sexo feminino, com um total de 40 crianças (59,7%) a produzirem este tipo de erro. A substituição encontra-se mais presente na faixa etária dos 7;00 aos 7;11 anos, em que 31 crianças (12 do sexo masculino e 19 do sexo feminino) produziram este tipo de erro.
A omissão foi o segundo tipo de erro com maior frequência, ocorrendo em 15 crianças (22,4%). Tal como no erro de substituição, é na faixa etária dos 7;00 aos 7;11 anos que a omissão está mais presente, com 9 crianças (3 do sexo masculino e 6 do sexo feminino) a produzirem este tipo de erro.
Em terceiro lugar surge o erro de distorção, presente em 9 crianças (13,4%), mas com maior frequência na faixa etária dos 8;00 aos 8;11 anos, em que 5 crianças (2 do sexo masculino e 3 do sexo feminino) produziram este tipo de erro.
Em suma, o tipo de erro mais frequente foi a substituição, com um total de 59,7%, enquanto a faixa etária que obteve maior frequência de erros, num total dos quatro tipos de erro (omissão, substituição, distorção e outros) foi a faixa etária dos 7;00 aos 7;11 anos, com um total de 65,7%.
Das 4 variáveis estabelecidas – Omissão e Substituição; Substituição e Distorção; Omissão e Distorção; Omissão, Substituição e Distorção – a variável que apresenta maior número de erros é a de omissão e substituição, em que 32 crianças (24 do sexo masculino e 8 do sexo feminino), num total de 65,2%. Este tipo de erro ocorreu mais frequentemente na faixa etária dos 7;00 a0s 7;11 anos.
Em suma, das quatro variáveis que foram estabelecidas a que apresenta maior frequência de tipo de erros é a variável omissão e substituição, perfazendo o total de 65,2%. Em relação à faixa etária, a que apresenta maior frequência é a faixa etária dos 7,00 aos 7;11 anos, com uma percentagem de 61,2%.
e) estímulos com maior frequência de erro
Considerando a distribuição da amostra tendo em conta os estímulos que apresentam maior frequência de erro, os estímulos que apresentam maior frequência de erro são: gelado (n=41), livros (n=36), relógio (n=35), sol e tigre (n=33), cavalo (n=32) e trator (n=31).
Nos estímulos referidos anteriormente, ou seja, com maior frequência de erro, em todos eles o sexo masculino apresentou valores de erro superiores ao sexo feminino.
De acordo com a faixa etária, tendo em conta os estímulos com maior frequência de erro, a faixa etária que apresenta valores de erro mais frequentes é a faixa dos 7;00 aos 7;11 anos, observando-se, uma vez mais, que é o sexo masculino que obteve mais erros.
Apenas na faixa dos 6;00 aos 6;11 anos o sexo feminino apresenta maior frequência de erros que o sexo masculino.
Conclusões
Relativamente aos resultados obtidos através da realização deste estudo, de forma sucinta, concluiu-se:
– O número de crianças com alterações do desempenho articulatório é inferior ao número de crianças sem alterações do desempenho;
– O sexo masculino apresenta mais alterações do desempenho articulatório que o sexo feminino;
– Os sons mais alterados são o /l/, o /r/ isolado ou em grupo consonântico, o /j/ e o /ch/, sendo as consoantes líquidas e fricativas as que apresentam maior frequência de erros;
– O erro mais frequente é substituição, ocorrendo o mesmo mais frequentemente no sexo feminino;
-Do grupo de erros criados, “omissão e substituição” foi onde se verificaram maior número de erros;
– Nos estímulos com maior frequência de erro, em todos o sexo masculino apresentou valores superiores de erro ao sexo feminino;
– É na faixa etária dos 7;00 aos 7;11 anos que todos os tipos de alterações verificadas são mais prevalentes, uma vez que é a faixa etária que continha o maior número de sujeitos, podendo este aspeto ser considerado como uma eventual limitação do estudo;
– Com o aumento da idade cronológica, as alterações ao nível do desempenho articulatório tendem a diminuir.
Dra. Filipa Mendão
Clínica de psicologia e terapia da fala ITAD
Terapeuta da Fala na Clínica do Itad em Lisboa
Terapeuta da Fala do ITAD em Lisboa
Rua Professor Fernando da Fonseca nº 8A, 1600-616 Lisboa – Portugal
211 371 412 – 961 429 911