Divórcio
Neste texto pretende-se abordar o impacto do divórcio nas crianças. Assim, serão abordadas questões tais como: as reações que as crianças podem manifestar face a uma separação dos pais, o impacto do divórcio em função da idade das crianças, e estratégias que os pais e a escola podem adoptar de modo a minimizar o sofrimento das crianças.
Divórcio
Divórcio em Portugal
Em Portugal, estima-se que uma em cada quatro crianças enfrente o divórcio dos seus pais. Destes dados excluem-se todas as crianças provenientes de uniões de facto ou uniões esporádicas, ou seja, fora de casamento legal. Se assim não fosse o número seria drasticamente maior.
Reações das crianças face ao divórcio
Para a maioria das crianças os pais ficam juntos para sempre e são considerados perfeitos. As figuras parentais são consideradas os seus pilares, as suas bases afectivas. No entanto, apesar de muitas as crianças assistirem a uma progressiva deterioração das relações familiares e tenham a percepção que as coisas entre os seus pais não estão bem, são raras aquelas que acreditam que os pais se podem e /ou vão divorciar.
Quando o divórcio entre os pais ocorre, o impacto sobre as crianças é bastante significativo na. Pois nada irá permanecer igual, e algo (casamento dos pais) que estas consideravam absoluto e perfeito, vai apresentar uma forma diferente, com impacto no seu meio envolvente e ao nível interno (emocional). Assim, segundo alguns estudos realizados, as crianças podem apresentar as seguintes reações face ao divórcio dos pais:
– Pena, tristeza e/ou depressão
– Medo de abandono
– Negação ou recusa da realidade
– Preocupações concretas (ex: Quem me leva à escola e/ou festas de anos?)
– Culpabilidade, ou seja, pensar que o divórcio dos pais ocorreu por algo que ela fez.
– Fantasia da reconciliação
– Problemas de lealdade entre as figuras parentais
– Insegurança e/ou perda autoestima
– Cólera, raiva e agressividade
– O desejo de “substituir” a figura parental que saiu de casa, ou seja, um “novo” pai ou uma “nova” mãe
– Sentimentos de vergonha e/ou humilhação
– Medos (ex: medo estar sozinho)
– Sintomas psicossomáticos (ex: insónias, dores cabeça ou barriga, alergias sem causa física, etc).
É ainda importante salientar que existem alguns factores vão ter uma forte influência no envolvimento e comportamento/reações das crianças face ao divórcio. Sendo eles:
– Qualidade da relação familiar e qualidade da relação da criança com cada figura parental. Ou seja, o facto de a criança se sentir amada por ambos os pais irá ajudá-la a enfrentar a situação do divórcio.
– A personalidade da criança. Se por um lado existem crianças que têm uma personalidade bem estruturada e seguras de si, que sabem que são amadas e que estão seguras do amor dos outros, também existem crianças cheias de medo, inseguras de si e do amor dos outros. Estes dois tipos opostos de crianças irão ter reações ao divórcio bem distintas.
– Interação da criança com o meio envolvente. Diz respeito as relações significativas a nível emocional, a titulo de exemplo: com os avós, crianças da sua idade, professores, ou outros profissionais, que a possam ajudar a ultrapassar a situação.
– O tipo de ruptura dos pais. Se foi um divórcio amigável ou se houve um grande conflito. Vários estudos apontam que o impacto que o divórcio tem nas crianças está relacionado com a forma como os pais lidam no pós-divórcio.
– O tipo de acordo formulado entre o casal e as suas implicações pratica. Relaciona-se com questões das visitas, da divisão das férias, ida a reuniões de pais, etc.
Divórcio e a idade da criança
Como já foi referido o divórcio vai ter um impacto profundo e intenso na vida de qualquer criança. Neste sentido, considera-se importante salientar que não existe uma “idade ideal” para os pais se divorciarem. Este tópico tem como objectivo demonstrar que de acordo com a fase de desenvolvimento em que a criança se encontra, o divórcio pode potenciar diferentes sentimentos/comportamentos na criança.
Assim se a separação dos pais ocorrer:
Durante a gravidez
A separação nesta fase pode ser prejudicial porque vai destabilizar a mãe e consequentemente a criança. A díade mãe-criança é sempre uma triangulação, em que o pai está “contido” na mãe e ambos devem ser fonte de afecto e segurança para a sua criança.
1º Ano de vida
A nossa autoestima relaciona-se com o que acontece na díade mãe-criança, ou seja, entre um ser impotente e desprotegido e um outro omnipotente e adulto. A separação pode originar uma mãe desorientada, depressiva, em permanente stresse, que pode transmitir à sua criança informações contraditórias, que lhe vão provocar uma grande ansiedade/insegurança. Estes sentimentos podem ter impacto negativo no processo de separação/individualização da criança.
Dos 2 aos 5/6 anos
Neste período ocorre a identificação dos papéis sexuais e a consolidação do Eu, da personalidade da criança. Nesta idade, em caso de separação, as principais características, sentimentos e comportamentos, são:
– Irritabilidade e zanga;
– Angústia de separação;
– Desejo de aprovação;
– Medo de ser abandonado e tristeza;
– Pesadelos frequentes durante a noite;
– Comportamentos agressivos;
– Baixa autoestima
– Egocentrismo, ou seja, a fase do pensamento mágico em que a criança considera que fez algo que levou à separação dos pais.
Dos 7 aos 8 anos
Esta fase pressupõe uma maior capacidade cognitiva e um manejar diferente do real. Ou seja, as relações de causa-efeito são mais fáceis de entender. Neste período a criança já adquiriu uma noção diferente de tempo, estando por isso mais preparada para perceber o divórcio e que esta pode ser uma situação irrevrsivel.
Nesta etapa está muito presente o medo da morte/ou que algo de mal aconteça. Sendo que os sentimentos mais usais são a mágoa, a tristeza, a depressão, a vergonha e o desejo de reconciliação.
Dos 9 aos 12 anos
Esta etapa coincide com uma maior força do Eu, em que as crianças lidam com o stress com mais facilidade, são mais organizados e não fantasiam tanto com a reconciliação dos pais. Têm, pela sua consciencialização, menos sentimentos de culpa.
Por vezes, podem ter grandes problemas com a lealdade, pois percepcionam a realidade de forma dicotómica (lado bom e lado mau).
Adolescência
Nesta fase, os filhos têm uma maior noção da sua individualidade, são mais egocêntricos e têm menos empatia em relação aos problemas dos adultos.
Na confrontação com os problemas dos adultos mais próximos os seus sentimentos mais frequentes são: cólera, sentimento de terem sido traídos, angustia e preocupações concretas.
Papel e estratégias para a escola
É importante informar a escola ou professor, quando já existe uma relação anterior entre os pais e a escola e/professor. É na escola que a criança passa mais tempo, e pode manifestar alguns comportamentos e/ou sentimentos face ao divórcio dos pais aos quais o professor deve estar atento.
Em alguns países, as escolas elaboram programas específicos para as crianças que enfrentam a situação do divórcio. Estes programas têm como principais objectivos reduzir a ansiedade, ajudar a criança a compreender melhor o que está a passar, expressar os seus sentimentos, a socializar e partilhar experiencias, aumentar a sua capacidade à frustração, aumentar a sua autoestima e ajudar a lidar com os seus sentimentos negativos.
Considera-se que a implementação de um programa destes pode ser uma mais-valia para ajudar as crianças a enfrentar a situação de divórcio dos pais.
Estratégias para os pais
O divórcio é um processo que vai afectar toda a estrutura e a vida familiar. Se por um lado, para a criança vai ter um impacto intenso e profundo, para as figuras parentais o mesmo acontece, provando, em muitos casos, um estado de profunda desorientação. Neste sentido, irei enumerar algumas estratégias que os pais podem utilizar para que juntos consigam ultrapassar o divórcio:
– Pais devem conversar com os filhos a respeito do divórcio.
Os pais devem em conjunto preparar essa conversa, que deve ser de preferência num local calmo, em casa ou em casa de familiares. Nesta conversa a mágoa da situação deve ser expressada de forma calorosa e autêntica. Cabe aos pais transmitirem às crianças que apesar da separação irão sempre amá-las.
– Importância de ter duas casas
É importante que a criança conheça a nova casa do pai/mãe e o seu novo quarto. Este processo ajuda a criança a compreender onde o seu pai/mãe vive e a lidar melhor com as mudanças inerentes ao divórcio dos pais.
– Visitas e/ou as ausências da figura parental
Cabe aos pais definirem as suas regras quanto ao contacto com os filhos. No entanto, parece importante reforçar o facto de que, quando um dos dois não comparece a estas visitas, a outra figura parental não deve denegrir e influenciar negativamente a atitude dos filhos face ao outro.
– É importante que a saída da figura parental de casa não seja em frente aos filhos. É sempre uma situação marcante para as crianças. Neste sentido, a saída de casa deve ser gradual e de preferência sem as crianças estarem em casa.
Drª Cecília Carvalho
Clínica de psicologia e terapia da fala em Lisboa
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